Publicado originalmente no Weebly em 13/05/2024
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Sabe aqueles tios distantes, mas presentes na vida da família?
Essa foi a minha vida por um bom tempo. Eu e meus pais fomos os tios e amigos que moravam longe. E isso, de uma forma estranha, era motivo de orgulho. Eu tinha entendido que casa não é um espaço demarcado por quatro paredes, mas sim aquele núcleo familiar que caminhava o Brasil todo. Juntos, unidos. Uma família.
E eu tinha orgulho pra caramba da minha família.

Eram nós 4 contra o mundo.
Minha família à meio a distância
Eu morei longe das minhas bases, dos meus avós e da minha família durante minha vida toda, mas a uns 15 anos me fixei na capital mineira, bem pertinho de todo mundo. Mas novamente, fui atacado por uma sensação nova. Distância, mas com uma dor.
Não era a primeira vez que sentia isso. Na Páscoa, fui atingido pelo mesmo estranho raio.
A distância, antes invisível, se fez presente, forte e implacável. E dolorida.
Era mais um Dia das Mães longe daquelas que amo: minha mãe e minhas duas avós, uma no Pará e outra no Céu. O agradável dia se transformou em momento de reflexão sobre a distância que nos separa.
Um dia antes, no sábado, conversei com um dos meus melhores amigos e minha referência, o Thiago, meu primo.
Ele é como um irmão mais velho, a personificação daquilo que era maneiro, legal e divertido.
Mas a distância, esse tema de hoje também foi forte na nossa relação. Estamos falando de uma era pré-internet, e meu contato com ele sempre foi uma coisa intensa e memorável, mas invariavelmente, curta.
Com minhas infinitas mudanças e ele já mais velho, indo para outros ciclos de vida, nos distanciamos. Respeitosamente, mas longe. Depois nos reconectamos, mas ainda assim, sempre em curtos encontros.
Com ele divido memórias antigas e mais recentes, e até mesmo consigo, se fechar meus olhos, lembrar perfeitamente de madrugar em Guarapari para jogar partidas no Pokémon Stadium no velho Nintendo 64, terminando com o Gym Castle com o Articash(Um Articuno particularmente forte do meu save do Pokémon Red). Eu e o Dani, sentados no chão, maravilhados.
Até hoje ouço músicas que ele recomendou. Ainda acho Duck and Run um musicão.
Mas como disse, nossa relação sempre foi pautada pela distância. Seja em tempo, seja em literal distância física, mas é uma pessoa que tenho carinho. E sempre esteve ao meu lado, oferecendo apoio e carinho nos momentos mais difíceis. Sou eternamente grato por sua amizade e palavras.
E nesse encontro do sábado, na véspera do dia das mães, entre nossas muitas conversas ele comentou uma frase que tinha ouvido em uma novela, e que ele sentia muito forte para si.
Às vezes estamos cercado de pessoas, mas ainda assim, solitários.
Ele não deve imaginar sobre o quanto eu refleti sobre a frase, depois, mas não no sentido da nossa conversa, mas em outro viés, sobre a solidão que senti, mesmo rodeado de pessoas. Será que a culpa era das expectativas que depositei nos outros sobre aquele momento, ou será algo de nostalgia do passado, ou ainda porque queríamos estar cercados por um grupo diferente?
Não tenho uma conclusão certa sobre isso. A resposta provável é o que eu teimo a falar com meu terapeuta: Um pouco da coluna A, um pouco da coluna B.

Eu, Thiago, B2 e o Dandan em 2002
O dia das mães
Acho que lendo assim, parece que é uma história triste, dolorosa, mas na verdade não posso reclamar. Vi tantos parentes, celebrei e comemorei. Comemorei a vida da Alice, minha sobrinha, celebrei anos de vida do meu cunhado, abracei minha madrinha, além de tantos primos, tios, e pessoas amadas.
Mas a sensação que o Thiago me falou continuou no peito.
Me peguei divagando, “será que estou errado por me sentir triste no meio dessa alegria toda?”
Me lembrei de aniversários recentes, onde eu só queria reviver aquele sentimento especial que tive em outras eras, aquela emoção outrora especial sendo transformada mundanos. Encontros de família, saídas, e momentos alegres que me pareciam menos alegres do que eles…. deveriam ser?
Imerso nessa reflexão, percebi que a situação se inverteu.
Eu agora sou o fixo, onde a vida muda em volta, um ponto de referência para quem está longe. O responsável por criar o ambiente especial para os outros terá que ser eu.
Nesse último dia das mães fui com a Marina de casa em casa de parentes e amigos, como um estranho Papai Noel, levando em nosso imaginário saco de Presentes Flores e presentes e a nossa presença, dividindo com eles aquela gostosa sensação de ver quem eu amo, a sensação de estar junto.
No fim do dia, chegando em casa, exaurido, feliz por ter visto tantas pessoas, dividindo momentos gostosos, me sentei no computador para ver um vídeo e me atualizar sobre o que tinha ocorrido no dia, me preparando para uma Segunda-Feira. Naquela calma, fui atacado novamente pela sensação. Mas porquê eu tinha isso? Acho que era por não ter visto algumas pessoas que eu queria ver. Seja por distância ou simplesmente por eles não estarem aqui.
Um pensamento fugaz me passou.
Eu passei por isso.
Muitos passam por isso
Lembrei de como pra mim foi fácil, na época, lutar contra essa realidade de ficar tanto tempo longe de quem eu amava.
Não existia essa fervura interna de que essa distância é ruim, era quase uma coisa boa. Era só esperar chegar as férias que eu ia pra BH comer um gostoso McDonald ‘s, ver Tom & Jerry com a Vovó e ir na Blockbuster tentar alugar o Super Smash Bros.
Mas para outros, até pensando em retrospecto, não foi tão fácil.
Tantos aniversários, datas comemorativas.
Lembrei da Ângela, do meu padrinho, que sempre moraram longe. Como será que lidaram com essa sensação? Será que ela viveu sem essa fervura interna? Algo quase natural, que não dói por não saber o que é diferente disso?
Eu já me peguei idealizando amigos que ficavam no mesmo lugar por anos, e suas raízes profundas e íntimas, até pensando se não seria mais feliz se minha vida tivesse sido assim.
Na infância, me via profundamente invejando quando tiravam uma foto de 10, 15 anos atrás, abraçados juntos ainda crianças. Enquanto isso eu tinha dificuldade de lembrar do nome dos meus amigos de infância.
Mas é uma sensação rápida. Sempre passava.
Na hora, lembrei do Matheus, um amigo tão querido, passando anos a fio longe do seu país, numa cultura japonesa que lhe trouxe tantos problemas e tristeza. Lidando com a frustração de um sonho indo mal, a distância da família e da luta contra seus próprios demônios. Uma situação inimaginável pra mim, mas ao mesmo tempo, com toques de familiaridade.
Lembrei do meu irmão e da Jujuba, morando hoje no Canadá, longe de tudo e de todos, tendo que enfrentar tantos desafios, tantas lutas. Algumas silenciosas, outras que nem gritando conseguiria o volume correto. E mesmo com as conversas, mesmo com o apoio, é uma luta ingrata.
Vejo nas conversas como um alívio quando consigo dar pra eles esse apoio e essa presença familiar. Olha eu de novo nessa função.
Enquanto mais eu refletia, mais nomes me passam a cabeça. Minha Tia Babi por tantos anos em Divinópolis, minha avó Nilsen hoje, com tantas residências, mas será que ela se sente em casa em algum lugar? Meus pais hoje. Tão longe em momentos tão difíceis. E eu tentando lidar com todos, trazer um pouco dessa paz para eles, sabe?
Pera aí. Eu sou a presença familiar?

Este idiota que voz fala ter que ser responsável em criar o foco e um ambiente gostoso pras famílias.
A inversão dos fatores
Agora sou eu quem está fixado, e ajudando quem vive à distância, quem não mora perto.
Mas tem 15 anos que estou aqui. Sou o Ground Control para tantos Major Tom’s.
E lembrando dessa dualidade, me lembro dos meus pais. Eles decolaram para caminhos diferentes e difíceis, enfrentaram muitas dificuldades e desafios quando eram jovens, vivendo longe de seus próprios pais e amigos, em situações novas e lidando com os desafios da criação de filhos adolescentes e tribulações do próprio casamento. Imagino o quanto precisavam um do outro para superar as tribulações da vida. Mesmo hoje em dia, morando tão longe, enfrentando crises, dores e saudades.
Quantas vezes meus pais só tinham um ao outro? Como será que eles conseguiram superar tantas dificuldades? Quanto mais penso nisso, mais acredito que eles enfrentaram uma missão quase impossível, mas que, com amor e apoio mútuo, conseguiram me proporcionar uma infância e adolescência felizes.
Como raios eles conseguiram?
É, o povo tem razão, a idade está me fazendo mais nostálgico. Estou condenado a ver o mundo com esse véu de nostalgia. Mas não estou cego ainda. Entendo que lá no fundo, em tantas situações, essa distância é necessária. Quase positiva.
às vezes.
Temos que correr atrás de melhores empregos, melhores salários, e quando percebemos, nosso ninho está feito longe. E quão desafiador é desmontar um ninho pra começar longe de novo.
As vezes, a presença permanente da família e suas expectativas, a frustração de estar fixo em só um lugar e faltar ter asas para voar longe é negativa, e isso te pesa, causando uma dualidade estranha em que o sonho de Ícaro parece mais um sonho que um pesadelo.
Não sei.
Nessas horas eu penso no Thiago, penso nos meus pais, na Ângela. Tantas perguntas, e situações complexas. Será que sou um bom apoio para eles? Espero que sim, pra ser honesto.
É difícil, né?
Mas aí lembro da Marina, Como ela tem sido um apoio sólido neste momento impossível. Mesmo com tudo, eu fui e apoiei ela, nos divertimos e andamos, choramos e rimos. Um dia intenso.
E ela no final do dia estava lá, Chegou na porta do quarto e eu contemplando um vídeo aleatório no Youtube, silencioso. Ela olhou nos meus olhos e sei que ela entendeu sem precisarmos falar. Esse texto inteiro ela já sabia que estava em minha cabeça, essa dor e sensação.
E me deu um abraço. Um abraço tão leve, tão bom que acertou uns ponteiros tortos que estavam fora do ritmo no meu coração. E lembrei da família, lembrei de tudo bom que também tive. E essa luta impossível ficou um pouco mais leve.
Ainda doía, e não sei se vai parar de doer. Até como falei com ela, que “os horrores persistem, mas eu também”. As dores devem piorar. Os piores momentos hão de vir. Mas quem sabe, os momentos bons também. Vou tentar ver o Thiago lá em São Paulo, Ou meus pais aqui em BH semana que vem, até quem sabe sonhar com minha avó e dizer feliz dia das mães pra ela?
Lembrei da Pokéshiny. Esse texto podia ser só deles, pois eles são a situação oposta para mim. São minha base quando me sinto voando.
Irritantemente, são uma base, uma casa fora da minha casa. Os meninos, mesmo sem saber, me mantém fixos para a continuidade da minha vida, e cara, eles estão todos a MUITA distância. Falta muito pro próximo Meet? Eles vão adorar conhecer Guarapari.
É. Acho que dá pra sustentar um pouquinho mais. É difícil, mas dá pra aguentar.
Engraçado.
Acho que consigo entender um pouquinho mais os meus pais.

No final das contas, família tambem é quem escolhemos.
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