Você já foi tocado por uma arte? Não pela forma perfeita dela, mas pelo que ela transbordava, pela memória que despertava ou pelo que sussurrou pra você, lá no fundo? Uma música, uma foto… por um segundo que seja, o mundo parou à sua volta e você foi engolido tão profundamente que pareceu que nada mais existia. Algumas pessoas têm uma relação intensa com isso: choram, se desesperam com shows, músicas, sentem algo mudar por dentro.
Isso reflete diretamente como eu vejo e curto a arte: de uma forma menos explosiva, talvez, mas ainda assim muito real. O show da Lady Gaga em Copacabana mudou minha percepção de mim mesmo. “Encontros e Despedidas” está eternizada na minha pele, e Frank Sinatra ainda consegue encher meus olhos d’água e trazer memórias. Minha relação com a Arte, com Fotos, com Música é intensa, mas interna, minha. Não é sobre entender a técnica, mas sobre sentir a alma que pulsa em cada nota, em cada traço.
Ainda assim, por muito tempo, eu vi a arte como algo mágico. Um poder de expressar que simplesmente nascia pronto na pessoa, tipo um dom divino, sabe? Era algo inatingível, que só alguns “escolhidos” tinham, e a gente, meros mortais, só podia admirar de longe.
Acho que a primeira vez que me impressionei de verdade foi lá no ensino fundamental. Antes disso, arte era só expressão de criança: colar macarrão no “Feliz Dia das Mães”. Mas lembro de ganhar um livro na pré-adolescência, e lá vi umas artes que me deixaram de cara. Infelizmente, o tempo apagou os nomes, mas as pinturas realistas, futuristas, metálicas, lindas na sua perfeição da minha memória de um jeito que eu nem conseguia conceber. Como raios um ser humano, usando as tintas dos lápis no estojo que eu tinha, faria algo sequer similar a isso? Era uma coisa etérea, um dom, algo mágico que simplesmente nasce dentro do nosso coração.
De uma forma, esse sentimento me segue. Sigo vários artistas no Twitter, uma rede onde entro pouco hoje, mas que às vezes me mostra umas artes que me deixam simplesmente impressionado. E esse forte sentimento de magia volta a aparecer. São artes tão leves, lindas e dolorosas que parecem ter saído de um sonho diretamente para a tela.
Criações lindas, tão humanas e mágicas como as do FABULOSO John Kafka, talvez meu artista favorito vivo, ou da Sorrowny, e tantos outros que nem consigo lembrar de cabeça. São estilos de arte que me pegam muito por serem tão lindas, etéreas e doces, algumas que mais me pegam é como observar alguém poderoso descansando, um flash mágico de um olhar que talvez não deveria estar ali. É um dom, uma vontade, uma potência e um poder que não acho em muitos outros lugares.
Ou será que não?
Enquanto eu crescia e me aventurava em outros hobbies, algo ficava cada vez mais claro: o quanto tudo isso tem a ver com treino. Com esforço, com repetição, com a automação e o entendimento profundo de cada habilidade.
Seja jogando meu deck favorito no TCG, no basquete, na corrida, fotografando ou até escrevendo. Em todas essas áreas, existem pequenas minúcias que você só pega repetindo. Entender uma teoria musical, um acorde maior, um matchup ruim, melhorar um arremesso de três, um flick, um lineup de granada, ou trocar o ISO quando sai no sol. São centenas de milhares de detalhes que cada hobby tem. Ao dominá-los, você consegue se expressar mais, comunicar melhor, fazer trocas rápidas e até aprender a como aprender. É como se cada hora de treino te ensinasse a dar voz àquele fogo dentro de si, a canalizar essa potência inata até ela encontrar uma saída. Eu vejo isso como um ciclo eterno de aprendizado e desenvolvimento pessoal.
Já tive discussões sobre uma música em que era inaceitável ouvi-la e ligá-la a algo fora do tema óbvio, como se houvesse uma forma, um caminho correto para se pensar. É um esforço que preciso lutar contra dentro de mim: o subjetivo é importante.
Existe uma ideia famosa na arte, a regra das 10.000 horas, que diz que não há maestria com menos que isso. Que você precisa de toda essa carga para dominar algo, seja um instrumento ou uma técnica específica. 10.000 horas é tempo pra caramba. E essas horas, ah, essas horas são pura disciplina.
Quem nunca ouviu um David Goggins, um Kobe Bryant ou tantos equivalentes motivacionais? Aquele papo de que a única solução é tirar a bunda da cadeira e fazer. A arte, então, vira um exercício. Fica mais fácil ao repetir, ao fazer de novo, de novo. Mas não é só repetir. É tentar fazer um pouco melhor, buscar 1% a mais a cada vez.
E isso cria artistas fantásticos, viu? Você vê o Kobe, múltiplas vezes MVP, falando sempre sobre a Mamba Mentality. Artistas explicando que depois de 20 anos tocando um instrumento “agora acho que tô pegando o jeito”. Ou um japonês que depois de 65 anos começou a entender como fazer um yakitori bom. A repetição melhora, mas a repetição com melhora é o passo que transforma o “Como raios um humano faz essa arte?” em “Ah, é ASSIM que um humano faz essa arte.”
Já vi tantas camisas com o “buscando 1% por dia, são 365% melhor em um ano”. Em um mundo onde a gente vê tanta cobrança, essa é uma cobrança familiar, que já vi mil vezes. A ideia de que não é só pra curtir, não é só pra juntar com seus amigos. É pra jogar, pra completar o passe, pra chegar no diamante. É pra ser 1% melhor todo dia.
Afinal, o que eu quero é chegar no Desafiante, é fazer a arte como a do meu livro ali da pré-adolescência…
Não é?
Um nome costuma aparecer na minha cabeça quando penso nisso: o artista e ex-jogador da NFL Todd Marinovich. Apelidado de “Robô-QB”, ele foi literalmente um projeto do pai, que o moldou desde criança para ser o jogador de futebol americano perfeito, controlando alimentação (sem açúcar nem McDonald’s até a vida adulta, quando ele foi sozinho!) e cada treino. Todd dedicou bem mais de 10.000 horas para criar uma técnica e uma arte impecável no futebol. Mas a pressão e a falta de espaço para ser ele mesmo o levaram a uma fuga destrutiva através das drogas, o que o fez falhar na NFL e se perder no caminho, mesmo com todo o talento.
Eu acredito que o esporte pode ser romântico. Um toco bem dado no basquete me dá a mesma sensação de tocar uma deliciosa balada no baixo; há um paralelo entre a arte e o esporte.
O Todd foi tão moldado nessa técnica, nesse suor, nessa perfeição, que todos os sentimentos que ele precisava aprender a canalizar não saíam mais. Como canalizar uma raiva se ela é medo? Como expressar intensidade se a intensidade não quer sair mais? O que acontece, então, é natural, mas inesperado: ele vai atrás da arte. E é uma arte colorida, às vezes genuinamente “feia”. Mas ao ouvi-lo falar sobre ela, percebo que é tão intensamente dele, tão intensamente própria, que ele não quer vender. Até pelos seus traumas e medos, né? É engraçado pensar que até o mais potente canhão, se não estiver corretamente carregado, não atira. Ele tinha todas as ferramentas, o grind, a Mamba Mentality.
E talvez seja mais que isso, né?
Tem algo mais na arte que apenas a perfeição técnica de um diamante perfeitamente polido. Que uma cobrança externa. Que a voz de um pai, de um técnico. Você precisa expressar algo seu, uma não opressão explosiva. Esse bonito paradoxo.
Lembro de uma série de um britânico que era desenvolvedor de games no YouTube. Em um dos vídeos, alguém pergunta por que ele não foca no jogo dos sonhos dele ou em outras coisas, e ele explica de forma tão didática, tão clara:
“Eu não estou fazendo esses jogos porque eu quero que você goste. É porque senão eu explodo”.
E eu achei de uma beleza. Já faz muitos anos que vi esse vídeo e costumo voltar a essa frase. Ela é de uma beleza brutal que acho que nunca tinha percebido: lembrar que a arte não é para o outro gostar. Não é para o solo tecnicamente perfeito.
Tem seu valor, claro. Mas não é intrinsecamente claro, como as letras de uma música. Elas podem até ter o significado original. Mas ouvir “My Way” e lembrar do meu avô, e “Encontros e Despedidas” ser sobre a estação de trem de Sete Lagoas e Carajás… isso é meu. E pode estar “errado” para outro.
Oh.
Faz sentido. É bonito pensar que a arte é mais que o significado. É por isso que a arte perfeita de uma escultura é bonita, mas não é a única. Por isso a arte do Pollock pode existir como um desenho realista.
É esquisito pensar isso, né? Tentar entender a arte do Todd, “feia” para os outros, mas que é o respiro, a expressão crua e vital dele. Como os jogos do Gamedev: aquela em específico é necessária para a existência de quem a faz.
Mas o que raios é essa expressão, o que é esse poder? Essa necessidade vital bonita que escorre em técnica, em desenho, em vitalidade, no solo de guitarra, no choro na música. E não só os negativos.
O potente desejo de ser amado, visto, desejado, analisado.
Talvez o Baco tenha mais clareza que eu a descrever o sentimento. Me desculpa, Jay-Z.
Se a expressão é isso, se é essa necessidade vital… o que mais é?
Essa foi a percepção vital que criou esse texto pra mim. Entender que viver, que esses desejos violentos e intensos dentro de mim, são partes de ser quem eu sou. Essa vontade maluca de ser amado, visto, comentado, desejado, adorado, ignorado, são sentimentos borbulhantes violentos que eu sempre destratei. Não só ignorando eles, mas colocando em outros, na responsabilidade de alguém por manter meu fogo por dentro sob controle.
E nunca pode ser sobre isso. É tentar ser para si. E talvez esse blog, esse site, essa minha vontade que você, você mesmo, leia esse texto do jeito que foi, seja um catalisador para minha intensidade, minha necessidade de sentir e expressar. Mas não pro outro. Pra mim.
Esse texto é de mim pra mim. Uma carta pública que vou amar comentar contigo.
Não estou tão longe assim do Todd Marinovich, não é? Ele se explodiu em dor por não saber canalizar os horríveis sentimentos dele, que foram impostos. Os meus são meus, comigo mesmo. Mas intensos pra mim. E eu os coloquei em outros, em apagamento e incertezas.
O texto original, que deu origem a tudo, é tão bobo, tão simples. Mas é esse texto, na sua essência. É viver, afinal. E o texto, depois de publicado, é tão seu quanto meu.
O Texto Original Magia:
Eu sempre achei que arte era algo mágico, inato.
Descobri a técnica.
O treino que transforma ideia em poesia.
Descobri também que arte não é só técnica,
é sentimento explodindo pra fora de si.
Das mil formas de explorar o sentimento, nenhuma é errada por si.
Mas arte,
paradoxalmente,
não é arte.
É vida que borbulha em si.
E que pede,
EXIGE,
IMPLORA pra ser
Falada.
Gritada.
Canalizada.
Dançada.
Conversada.
E a vida, que eu sempre achei que era morta, dócil em mim…
não era, né?
Ela gritava por ser amada,
ansiada,
desejada,
espiada,
vista.
Ela não aceita ser abusada como uma toalha velha e suja.
Quer ser intensa,
violenta,
gentil,
crescente,
existente,
inquieta,
linda.
Como arte que vira linhas no caderno.
Rabiscos com valor além.
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