RAFAEL

Meu nome é Rafael, mas pode me chamar de Rafinha. Aqui eu escrevo o que parece verdade na hora. Se amanhã eu discordar de mim mesmo, parabéns pra mim: evoluí ou pirei mais um pouco.

A close-up of a hand holding a cup of coffee on a white table, showcasing relaxation and simplicity.

A delicadeza opressora da rotina

Sou uma criatura de hábitos: manias, costumes e, principalmente, repetições. Sou aquela pessoa que, se a carteira não está no lugar de sempre, precisa de alguns segundos pra recalibrar e começar a busca pelos últimos lugares por onde passou.


Acordo e cubro Marina, desligo o ventilador, tomo banho, me barbeio. Depois, é hora de arrumar a mochila da academia, a mochila de lanches.

Os barulhos são tão familiares que são automáticos. Subir a rampa, cumprimentar a moça que varre a varanda, uma presença familiar. O dia começa com o primeiro café na Testato, mesmo quando a cabeça ainda tá dormindo em outro lugar.

Cada um desses momentos é automatizado. Sentar no carro, olhar o espelho, a ré. O jeito de encher o pulmão enquanto canto um samba. O barulho da água enchendo a garrafinha.

Saber qual lado certo do papel higiênico estar, sempre repetido. O zumbido da esteira que cresce aos poucos. Os passos são sempre iguais, mas o mundo dentro da gente nunca repete. Às vezes é só silêncio, outras, em chamas, com frases e desejos que ninguém nunca escutou

À noite, o tilintar do gelo no copo faz um som delicado, quase poético. Não é brinde. É pausa. Um som que marca o fim do dia sem prometer descanso. Na TV, um apresentador americano explica a origem da humble apple pie. O barulho não importa, só preenche o vazio da minha mente, que quieta, teima em gritar.

Uma mensagem no Telegram de um amigo chama. Ele viu um vídeo que lembrou de mim. Outro responde com uma piada que já fizemos 20 vezes.

Dou uma risada. Os ombros relaxam. A rotina fez sua parte.


Hábitos e automações às vezes demoram pra pegar, mas outras naturalmente nascem com o início do hábito e nunca vão embora.

É como bater um lance livre no basquete. Existe uma rotina: pegar a bola, girar na mão, quicar. Uma, duas vezes, a bola girando na ponta dos dedos… cesta.

Qualquer mudança, e a bola sai do eixo. Erro.

Temos dias em que a rotina é uma grande máquina de lavar que nos leva repetidamente dos mesmos lugares, para os mesmos lugares. Da mesma forma, roboticamente. Para alguns, a rotina é inimiga, outros é amiga e reconfortante. Mas pra mim, é ritual. Um jeito de lembrar que tô aqui, mesmo quando não pareço.

É um jeito de ancorar quando o mundo parece girar. A rotina recomeça, mas o mundo já mudou em detalhes quase invisíveis.

E assim, no dia seguinte, tudo acontece igual, mas diferente.


Acordo e vejo que a Marina está de pé; dessa vez, é ela quem me cobre e faz um agrado com um gesto simples: mochila feita. A moça que varre a varanda está com uma bonita nova camisa.

O café na Testato está cheiroso. Na academia, me sinto rápido, ágil, forte até.

Na agenda, estão planejados mais quatro dias repetidos, e a máquina invisível teima em girar.

E à noite, o tilintar do gelo no copo faz um som delicado, quase poético.

Uma mensagem no Telegram de um amigo chama. Ele viu um vídeo que o lembrou de outro amigo. O mesmo amigo responde com uma piada que já fizemos 21 vezes.

Dou uma risada. Os ombros relaxam.

A rotina fez sua parte.

A delicadeza opressora da rotina é essa: te envolve devagar, até ser impossível saber se você a repete ou se ela te sustenta.

Mas aqui, agora, estou em casa.

E isso, basta.

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