RAFAEL

Meu nome é Rafael, mas pode me chamar de Rafinha. Aqui eu escrevo o que parece verdade na hora. Se amanhã eu discordar de mim mesmo, parabéns pra mim: evoluí ou pirei mais um pouco.

Golden trophy adorned with medals on a red backdrop surrounded by scattered confetti.

E se eu aprender a celebrar?

Sobre metas, medos e a arte de não se sabotar quando a paz finalmente chega.

Hoje escrevo de um lugar estranho: o quase. Quase cheguei onde queria. Quase consegui fazer as pazes com meu corpo. Quase aceitei que posso descansar. Mas, nesse quase, tem uma bagunça interna que eu quero entender melhor. E talvez celebrar não seja só uma festa, talvez seja um recomeço pacífico.

O que sobra quando se atinge o objetivo?

Tive umas semanas estranhas, marcadas por uma imersão intensa na minha própria cabeça. Fiquei muito concentrado, quase obcecado mesmo, em alguns objetivos e metas físicas, peso, exercício, consistência, que tinha planejado pro ano. Metas que, por muito tempo, pareciam impossíveis.

Pesar menos de 100 kg? Correr com frequência?

Há alguns anos, isso tudo parecia tão distante que soava como sonho. Uma ideia absurda até de imaginar. Mas agora, vendo o quão perto tô de alcançar, veio uma pergunta nova e desconfortável: o que eu faço quando chegar lá? Como lidar com a sensação de olhar para o espelho e ver que o objetivo não corresponde ao que eu queria ou sonhava?

São dúvidas complexas, e talvez essa pergunta chegou ao som do Milton Nascimento, pela travessia. Atingir metas que antes eram inalcançáveis me deixou vulnerável a um lado complexo. O que fazer quando chegar lá? Como mover a meta? Como alterar e movimentar esse monte de objetivos e satisfações e insatisfações.

E no meio disso tudo, surgiu uma dúvida incômoda: será que tô desenvolvendo um transtorno alimentar? Esses ajustes constantes nas metas, será que não tão virando uma linha de chegada que nunca chega? A culpa por comer, ou por faltar na academia, seria isso uma forma disfarçada de me punir?

Conversei com amigos, busquei apoio. Mas a angústia continuou ali. Até que, numa sessão com meu psicólogo, ele me lançou uma pergunta que me travou:

POR QUE VOCÊ NÃO CONSEGUE CELEBRAR?

Precisa mesmo estar no grind eterno pra se sentir vivo?

Nunca tinha pensado nisso com clareza. E a real é que… eu não sei. Parece que não é uma escolha. Quando tô perto de conquistar algo, minha cabeça já corre pro próximo desafio. O espelho me devolve o que ainda falta. IMC, barriga, qualquer coisa. Comemorar me soa errado, quase como mentir. Por que celebrar algo inacabado?

Eu não sei se existiu um momento na vida que essa pergunta não esteve presente. O kg pra perder, a nota para tirar, o salário, a promoção, a conversa. Sempre tem um objetivo, um foco, o próximo. E eu vivendo em uma curiosa corda-bamba entre me pesar o suficiente para continuar fazendo, e a paz de saber que está fazendo. Curioso isso. Os dois lados têm que existir de formas similares. Porque preciso lidar com o medo de regredir. Porque o medo de voltar? De parar e voltar a ser o Rafa de antes? Acho que no fundo, me percebo igual, como se esse esforço todo fosse frágil como um copinho de cristal. Amar quem eu era sem desvalorizar quem sou agora é difícil. Como acolher as duas versões sem criar um ranking interno?

O Adriano, jogador, sempre me marcou. Chegou ao topo do mundo, fama, títulos, dinheiro, e escolheu voltar pro bairro onde cresceu porque era ali que estava sua alegria genuína. E eu? Nem cheguei lá ainda, e já tenho medo. Medo de chegar e não saber o que fazer. Medo de ficar sem missão. Medo até de não querer mais subir. Olha que loucura: ter medo até de conquistar.

Talvez o meu medo seja o próprio problema. O Adriano é uma figura com tantos problemas próprios. Apenas me apoiei nisso como uma forma de causar medo em mim mesmo.

Quando as metas mudam, me sinto mal. Como se estivesse traindo alguém. Não enxergo isso como maturidade, mesmo sabendo que devia. O meu automático é me cobrar. Mas talvez eu só esteja trocando a rota. Não é desistência, é caminho. A barra sobe. E tudo bem.

E aí tem o Wilson. O Dr. Wilson, do House. Por muito tempo me vi nele não como uma inspiração, mas como um espelho incômodo. Um homem gentil, mas perdido em sua própria visão de si. Alguém que se define por cuidar dos outros, e que se esvazia quando a vida ao redor se acalma. Um personagem que, em muitos momentos, escolhia relações onde precisava consertar alguém, porque estar ao lado de alguém inteiro parecia impossível. E, às vezes, eu sou isso comigo e outros. De forma invisível, vejo a mim e outros como um problema a ser resolvido, uma compreensão a ser feita, minha e deles, numa missão sem fim.

Como viver sem missão? Quando chegar lá? Quando abrir mão de ser compreendido?

Hoje, eu estou assim, mas não sou isso. Posso cuidar de mim, posso cuidar de outros, mas só se for uma escolha. Não como modo padrão da minha existência.

Aí penso na Amanda. Uma amiga que, quando pergunto como ela tá, responde: “nada aconteceu, está pacífico.” E é isso mesmo. Mesmo quando algo tá acontecendo, ela vive com calma. Não é negação. É presença tranquila. E talvez seja isso que eu precise aprender: que é possível estar em mudança por dentro, sem fazer barulho por fora. Que a transformação pode ser silenciosa. Que é possível estar… bem.

Sobre os objetivos, enquanto escrevia, pensei em uma metáfora futebolística que me ajudou a entender tudo isso. Imagine que eu fui artilheiro da Série C, e faço uma baita festa porque consegui atingir algo. E agora, sonhar em dar o próximo passo e ser artilheiro também da Série A. E um dia, quem sabe, da Copa do Mundo. Isso não é errado. É celebrar os muitos passos que se dá na vida. Não podemos chamar de fraqueza. É trajetória. Atingido, a barra sobe.

E tudo bem.

Não tem problema a ambição estar lá em cima. É onde ela tem que estar.

“Shoot for the moon, even if you miss, you’ll land among the stars.”

E talvez… talvez eu não precise mais ter medo de celebrar o título da Série C. E mais: talvez eu já esteja pronto pra sonhar com a próxima taça.

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