Publicado originalmente no Weebly em 24/04/2024
———————
Eu fui e acho que serei para sempre uma criança interiorana.
Nasci em Ipatinga, uma cidade industrial, com o único objetivo de ser uma moradia para os moradores da Usiminas. Meu avô, sempre que perguntavam para ele, para artigos sobre Ipatinga ou sua carreira, falava sobre sua chegada na cidade, nos anos 60, e sempre humorosamente lembrava da primeira impressão da cidade, que não conhecia até descer na estação. Um calor de rachar. “Ao lembrar sua ida para Ipatinga, em busca de uma carreira de sucesso, o engenheiro Oscar Leite de Alvarenga, acompanhado pela sua esposa, Maria Aideé de Souza Alvarenga, terapeuta ocupacional, menciona que, em plena terça-feira de carnaval de 1961, ele estava vestido de um terno azul que escolheu para a viagem, enquanto ela usava um conjunto ajustado ao corpo, meias e sapatos de salto. Após passarem 12 horas em um trem (houve um acidente ferroviário que atrasou a viagem), chegaram ao vilarejo de Ipatinga, sob um calor de 40 graus”

Mais ou menos a Ipatinga que eles chegaram lá. Onde eu nasceria uns… 32 anos depois.
Minha exata idade hoje.
Isso significa algo? Provavelmente não.
Acho que a citação foi apenas uma oportunidade de citar essa fala do meu avô.
Acho que é a única vez que me lembro dele reclamar do calor da cidade. Ou reclamar em geral, vovô não era de reclamar de nada. Meus pais sempre foram mais liberais em reclamar das coisas da cidade que morávamos, sem deixar de ter uma visão feliz, independente de onde moramos.
Sobre os lugares que morei, acredito que fui feliz em tudo que é canto que eu morei. Tinha um esforço grande da minha família, em especial da minha mãe, em manter um ambiente de casa, independente da residência que estávamos. Então para mim, casa sempre foi intensamente relacionado às pessoas.
Tenho poucas, mas boas Memórias de Vila Velha, onde meu irmão nasceu. Tenho definitivamente excelentes memórias em Sete Lagoas, já com nossas casinhas e a faculdade da minha mãe, tanto quanto em Parauapebas, com suas diversas fases, e claro, muito calor. Tenho inúmeras fantásticas em Belo Horizonte, com meus amigos, Marina, meus avós, tantas festas, sorrisos e companheiros.
Uma memória muito nítida que tenho é de morando no meio da floresta amazônica, lá na vila de Carajás, com pouca poluição visual, me acostumei com o céu estrelado.
As luzes do céu noturno me faziam felizes.
Muitas vezes deitado na rede, com as luzes da casa apagadas, parava para ver o brilho do iluminado cosmos.
Espalhados na cidade, alguns lotes não utilizados eram a localização perfeita para que em dias de céu claro, se você ficasse bem no meio deles, longe das luzes das casas, era possível ver todas as estrelas brilhando forte no céu.
Centenas de constelações, galáxias e tudo que um adolescente poderia passar horas a ver. Aquelas sensações que marcam uma vida.
Mas outras luzes também enchiam meu coração. A cidade, principalmente Belo Horizonte, onde meus avós moravam, terra das minhas férias e sonhos, era também , de sua forma, uma galáxia iluminada. Descer a Avenida do Contorno com todas as luzes, prédios, outdoors e luzes da cidade enchiam meu coração interiorano de emoções e alegrias. Era uma visão única, chegar em Belo Horizonte, vendo um iluminado BH Shopping, um Belvedere cheio de luminosidades, com centenas de prédios que mesmo tarde, com suas janelas ligadas brilhavam para mim como o céu noturno.
Essas luzes eventualmente me dão nostalgia.
Me lembro que o som definitivo da cidade era a música do fim do programa do Jô Soares, sabendo que minha avó já estava deitada no quarto dela, ouvindo na velha TV tubo o programa de entrevistas. Além disso, o barulho dos ônibus descendo a Afonso Pena enchiam meus sonhos e férias.
Acabou que eu vim morar aqui.
Esses dias, no meu horário de almoço, estava olhando para o céu diurno, com suas nuvens fofas e cheias de sombras passando lentamente. Percebi que tinha um bom tempo que não fazia isso.
Me fez refletir muito, inclusive sobre esse texto que estou escrevendo.

A vida urbana tem suas vantagens. Locais e sabores distintos para comer, com seus funcionamentos 24h, com opções ilimitadas de que seu corpo desejar. Coisas pequenas, como ter um McDonalds em sua cidade é uma sensação muito diferente da que tive.
Lembro claramente de ansiar por um Cheddar McMelt e um Milkshake do Bobs quando morava longe. Assunto de diversas conversas com amigos com iguais e intensos desejos de um sanduíche industrializado.
O desejo era tão real que meu pai, uma vez, em um ato de loucura, congelou vários dos sanduíches os e levou lá para casa, no Pará, em uma viagem de quase 3.000km, com diversos sanduíches congelados do McDonalds. Minha mãe, eu e meu irmão ficamos em êxtase. Mas mesmo essas alegrias tão claras de outrora perdem um pouco desse brilho quando se tornam mundanas. Tal qual o Chico Bento niilista, percebo que aos poucos, “tudo é normar”, e minha relação com a cidade que eu tanto ansiava mudar se torna distinta também.
O tempo voa.
Já se passaram quinze anos desde que me mudei para BH.
E, como era de se esperar, muita coisa mudou nesse tempo. Uma das mudanças mais significativas foi trabalhar. Há uns bons dez anos, meu dia a dia se resume a ficar sentado encarando telas. Se não for para a academia, posso passar o dia inteiro sem me mover, sem ver o sol, praticamente sem sair do lugar. A rotina é quase sempre a mesma: Segunda a sexta, acordo, tomo banho, pego o carro, trabalho, volto para casa, me sento no computador e durmo. Nos fins de semana, a coisa não muda muito: carro, computador e, de vez em quando, uma soneca.
Mesmo sendo viciado em monitorar meus passos, meu ritmo cardíaco e minha saúde em geral, percebi que essa rotina sedentária está me afetando. Me movimento muito pouco, e isso se reflete em diversos aspectos da minha vida.
Mas esses dias, voltando do trabalho, que uma coisa me chamou a atenção:
Luzes.
Dirigindo na estrada, as luzes dos holofotes apagaram.
Praticamente sem carros na contramão, poucos carros atrás. Meus olhos relaxam, de forma que eu não sentia a um bom tempo. Olhei para o céu, e via um monte de estrelas. Um pensamento intrusivo, naquele momento me chamou a atenção.
Estou cansado das luzes.Desligo a luz do painel do meu carro, e dirijo por 10, 15 minutos em uma sensação que é difícil de explicar.Em dias seguintes, tentei inúmeras vezes voltar a repetir essa sensação, tentando nas partes com menos holofotes sentir a escuridão. E me marcou, entender o quão cansado de luzes eu estava.
Não sou um pássaro que caiu acidentalmente em um dourado ninho de tecnologia. Sempre fui curioso e adoro novidades. Tenho um smartwatch no pulso 24 horas por dia, 7 dias por semana, meu celular sempre com bateria e na mão (para o desespero da minha esposa), com diversos grupos e mensagens com meus amigos permanentemente online. Além de que eu trabalho com o mundo digital, então sempre há uma tela me cercando. Caí na armadilha que eu mesmo criei, como uma mosquinha hipnotizada pelo doce aroma da tecnologia, me tornando presa fácil e sem saber como escapar da pegajosa folha.
O mundo hoje é uma teia de estímulos feito para ficarmos nesse ciclo viciante. As telas rolam infinitamente, os jogos tem recompensas por tempo limitado, passes de batalha, produtos com lançamentos exclusivos e com datas-limites, até ingressos com venda limitada, shows únicos… tudo lutando pela nossa atenção, sendo únicos e estatísticas, ao mesmo tempo.
Irônico é porque eu trabalho com isso. Meu trabalho é estatística, conversão e chegada de novas pessoas.
Pessoas não. Leads.
Nos últimos anos, percebi o quanto estou exausto. As luzes da cidade, antes um símbolo de progresso e oportunidade, agora é um lembrete constante do meu cansaço físico e mental. A competitividade constante em todos os ambientes, presente em jogos, redes sociais e até mesmo no trabalho, me suga a energia e me deixa sem ânimo.
As vezes me pego assim até na academia. Quero um novo recorde nos pesos, ou a maior distância na esteira, ou o maior gasto de calorias no app de Fitness.
Mas todos esses esforços são de telas. A tela que me acompanha em tudo. Que tal lavar uma louça? Vou botar um vídeo no Youtube aqui.
Meu amigo mandou um engraçado vídeo no Insta.
Olha, luzes.
No fundo, acho que tenho histórias para ser um Cartunista legal. Quem sabe posso aprender pra expressar? Será que tem um tutorial legal pra isso?
Se bem que eu preciso terminar de lavar roupa, tenho uniforme pra amanhã?
BZZT.
Mais uma mariposa atraída pela elétrica luz azul.

Bonita luz azul.
Esse texto, eu traduzi para uns amigos, e coloquei um hilário título. “Garotos do interior sonham com placas de neon”? Acho que explica bem a sensação e desejos que eu tinha quando era mais novo.
Hoje, o oposto acontece, acho que sinto falta da luz do interior. Mas é aquilo, se eu tivesse lá, acho que eu sentiria falta da loucura da cidade e dos Cheddar McMelt. Como é a regra lá? A Grama do Vizinho ser mais verde?
Hm… Tem um tempo que não como um Cheddar. Talvez eu coma um amanhã
Mas eu tô de dieta né?
Escrever esse final é um pouco maluco, alguns pensamentos pouco processados, jogados para fora.
Queria chegar neste final e ter para vocês uma conclusão mais digna. Quem sabe falar que eu aprendi a equilibrar o a luz e a escuridão. Talvez fazer uma divertida referência de Kingdom Hearts.
Mas honestamente, não acho que tenha um final ainda. Estou aprendendo, talvez eu vire um daqueles hippies que compra uma chácara minúscula em Igarapé, faz uma casinha fofa com Ar Condicionado, Wifi e Tv a Cabo, com uma caminha gostosa, um Frigobar e simplesmente fico lá por um tempo.
Provavelmente não.
Amanhã devo estar nas luzes da cidade, ansiando pelo próximo pagamento, pelo próximo fim de semana que eu vou ver meus amigos. Tem um tempo que não vejo eles, ou a minha tia. É sempre legal estar com quem a gente quer perto.
Eu podia ir pra Curitiba ver minha prima, ou pro Rio ver meus amigos.
Sabe? Essa sensação me lembra muito as luzes da cidade.
Tem luz demais.
Deixe um comentário